Claudia Leitte se conhece por completo. É assim que posso descrever a cantora após uma tarde juntas. Isso transpareceu enquanto ela maquiava a própria pele e, despretensiosamente, me contava sobre sua carreira internacional. Mas engana-se quem pensa que a atitude era forçada ou acompanhada de qualquer pingo de arrogância.
Nossa entrevista precisou ser interrompida duas vezes por conta de assuntos urgentes de trabalho – nada que atrapalhasse o andamento da conversa, como ela fez questão de garantir, me pedindo desculpas. Mais uma vez observei a leveza clara de quem se conhece enquanto resolvia o impasse com a equipe.
Até mesmo a pausa para comer vem do autoconhecimento. “Eu sei quando meu corpo vai pedir alguma coisa. Uma tarde cheia geralmente me suga energia, por isso já tenho certeza que vou ter vontade de doce”, comenta antes de devorar uma tigela de banana com mel.
Na entrevista a seguir, ela conta como aprendeu a dar ouvidos ao seu corpo e a sua mente para adquirir equilíbrio.
Qual é a sua ideia de conforto?
Família. Qualquer coisa com meus filhos ou com meu marido. Adoro tudo com eles, e isso inclui ficar em casa fazendo nada.
Como você concilia a carreira com a vida de mãe?
É simples: se qualquer projeto for me impedir de passar tempo com meus filhos, eu não faço. Eles são minha prioridade. Antigamente eles até viajavam comigo a trabalho, mas o Davi [o mais velho, de 7 anos] começou a ter uma rotina mais regrada quando saiu da escolinha e entrou no ensino fundamental. Mas isso veio perto de um período na minha carreira em que aprendi a me dar mais tempo, então foi tranquilo.
Esse período foi quando você mudou para os Estados Unidos?
Sim, ano passado a gente começou a traçar a ideia de uma carreira internacional – e eu falo “a gente” porque fomos nós mesmo, toda minha equipe. Eu assinei contrato com uma empresa chamada Rock Nation, que administra carreiras de artistas e atletas lá fora. A matriz é em New York, mas eles têm um escritório em Los Angeles, que é onde moro hoje.
E como isso ajudou você nessa tranquilidade que mencionou?
Eu percebo uma diferença cultural muito grande em termos de carreira para um artista. Aqui no Brasil, ele é muito explorado. Exige-se que a gente faça 30 shows em um mês e você acaba perdendo qualidade na entrega quando trabalha demais. Nos EUA, o comum é sair em turnê por oito meses e aí parar por mais oito. E o processo de recomposição e criatividade que acontece nesse meio tempo é muito benéfico. Aqui não: se voce pára, a imprensa já começa a dizer que você sumiu, então você tem que estar constantemente se desgastando, o que é ruim tanto criativamente quando no sentido humano do trabalho.
Como assim?
Eu gosto muito de tudo em meu trabalho que é relacionado a pessoas; adoro fazer fotos para revista, dar entrevista, receber fãs no camarim. E você nunca vai receber ninguém bem no camarim se está acabada, por exemplo. Nos EUA eles entendem isso e, por essa razão, o ritmo de trabalho é diferente. Lá aprendi que posso dar um tempo para mim mesma, que isso é bom. Não que eu não dê conta de fazer 30 shows por mês, já fiz isso, mas acho que se perde muito desse contato humano.
Você tem muitas pessoas para ajudar nessas decisões de carreira?
Sempre. Tenho uma equipe de empresários e uma equipe para a banda, todo mundo ajuda muito com a parte artística e administrativa. Nos ajudamos muito, é uma parceria.
Os projetos vêm até você ou você vai até eles?
Sou uma mulher imediatista. Não costumo esperar que as coisas venham até mim. Meus projetos são em longo prazo e começo cedo a agir para eles acontecerem. Quando eu era mais nova, isso se traduzia em uma ansiedade, mas fui amadurecendo e, hoje, acho esse planejamento prévio uma virtude. Foi quando consegui transformar ansiedade em determinação que fiquei mais consciente do meu empreendedorismo.
E como você lida quando as propostas chegam até você?
Eu analiso, porque acho que o universo também conspira. Por exemplo, não posso dizer que imaginei que eu faria o show da Copa do Mundo. Mas quando o convite chegou a mim, um ano antes, fiz o necessário para que aquilo se concretizasse. É uma dica que sempre dou para os artistas no The Voice [programa que apresenta orientando cantores novatos]: não adianta só esperar acontecer, tem que aproveitar as oportunidades. Estar no programa, por exemplo, te põe em contato com os melhores diretores e técnicos. Não adianta nada ganhar o prêmio e acabar ali. Tem que planejar enquanto está acontecendo para ser uma coisa de longo prazo.
Você sente que se tornar cantora foi obra do acaso?
Batalhei para isso, mas no começo foi o universo que me mostrou o caminho. Lembro de ter 3 anos e estar em um restaurante com meu pai. Tinha um cara cantando que parou para um intervalo. Não sei porque, enquanto ele não voltava, fui no lugar dele cantar a música do Sítio do Pica Pau Amarelo. Foi aí que percebi o quanto adorava aquilo. A gente tem que ter muita consciência do nosso chamado. Para mim ele bateu muito cedo.
E seus pais apoiaram?
Não totalmente, mas hoje entendo o por quê. Eles tiveram muito receio, é uma exposição esquisita quando voce é muito jovem, então foram muito prudentes e cuidadosos, e isso serviu para o meu amadurecimento e processo de escolha. Quando eu tinha 10 anos, por exemplo, minha professora queria que eu fosse para outra cidade me apresentar e eles não deixaram. Fiquei muito triste com aquilo, mas depois compreendi, especialmente depois que tive filhos. Você tenta proteger, principalmente quando a pessoa é muito jovem e não sabe necessariamente o que quer.
Como mãe, você é rigida?
Eu sou divertida. Preciso me divertir para poder fazer eles felizes e eles fazem o mesmo por mim.
Qual a principal mensagem que você procura passar para eles?
Minha mãe e meu pai me ensinaram coisas muito importantes, mas uma marcante é que não existe possibilidade de você ser feliz e ter êxito se não tiver honestidade. Eu prezo demais por isso e tento passar esse valor. Se você é honesto com os outros e até consigo mesmo, sem fugir das suas responsabilidades, consegue ser e fazer o que quiser.
E como seu marido se encaixa na sua vida?
Eu conheci o Márcio [Pedreira, também empresário de Cláudia] quando era novinha, mas só começamos a namorar aos 20 anos de idade. Foi uma grande surpresa. A história do universo conspirar se mostra até nisso: por mais que eu soubesse que queria ter uma família, por exemplo, as coisas aconteceram sem que eu esperasse. Quando era mais nova, nunca imaginei que ele fosse o amor da minha vida, mas era. Ele demonstra muita disposição em estar do meu lado e é meu melhor amigo. A verdade é que, como mulher, a gente se basta. Não é uma necessidade estar com alguém, somos muito fortes e damos conta de ser mãe, trabalhar, ser artista mesmo sem um parceiro. Mas essa parceria me deixa mais feliz. E não dá para viver com ninguém se não houver parceria. No final da vida, você não vai ter disposição para sair para festa, transar toda hora, mas a amizade e parceria são o que ficam. Não há a necessidade de um homem, mas esse amor faz bem.
Você se identifica com a ideia de empoderamento feminino?
Eu acho até que é redundância esse termo, porque mulher já é um bicho forte demais. E a gente é submetida a tanta luta diária que fica melhor ainda. A gente aguenta muito!
Leia a entrevista completa da cantora na edição de abril da Women´s Health Brasil disponível em iOS http://apple.co/2f8VgVm e Android http://bit.ly/2fNgfhw