Por Marcela Rocha
É tanta conta para pagar, problemas com os filhos na escola e o carro que insiste em quebrar, que volta e meia você já se pegou sonhando com um super-herói para resolver os pepinos. As dificuldades do mundo real podem ser diferentes dos filmes e quadrinhos, mas a figura do homem salvador já passou pela cabeça de muitas mulheres. Porém, na atualidade, as mocinhas frágeis deram lugar às heroínas – que sabem sim cuidar de si – e isso não significa uma troca de uniformes, mas a formação de uma dupla imbatível.
Mocinha não-tão indefesa
Nos idos dos anos 80, você suspirou assistindo ao Michael Keaton resgatar Kim Basinger em “Batman”, enquanto o Super-Homem salvava sua amada de uma queda livre. “Esses herois, figuras invencíveis, queriam mostrar às mulheres a mensagem que, desde que tivéssemos um homem ao nosso lado, estaríamos seguras”, diz a psicóloga Heather Pederson, da Filadélfia (EUA). Mas o que seria do Homem de Aço sem a corajosa – e sem poderes sobre-humanos – Lois Lane? A jornalista o apresentou à sociedade e se arriscou para traduzir as expectativas sociais em volta dele. Sem ela, o alienígena não passaria de um cara esquisito e perigoso – que anda por aí usando uma capa e a cueca por cima das calças (eca!).
E nem só de heroínas coadjuvantes vive a arte. Supermulheres modernas ganharam protagonismo nas produções recentes com personagens como Jessica Jones ou Supergirl: fortes, inteligentes e mais preocupadas em lidar com seu próprio conjunto de obstáculos do que em procurar alguém para fazer isso por elas. E quem disse que essa atitude não é compatível com uma vida a dois?
De acordo com uma pesquisa britânica, diferentemente do que se imagina, 70% dos homens preferem mulheres poderosas. “Esse perfil só assusta o homem que ainda não caminhou no tempo a ponto de entender que esse novo modelo de relação apenas amplia as possibilidades de ambos. Todos ganham”, diz Ligia Baruch, de São Paulo, doutora em psicologia e especialista em relações amorosas na contemporaneidade. “O modelo tradicional de um só como provedor – geralmente o homem – já não tem o mesmo espaço. Inclusive, muitas vezes até ganhamos mais do que eles e isso só enriquece a relação”, completa.
Prova disso é o estudo do Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) sobre o perfil da mulher brasileira: nos últimos dez anos, a renda feminina cresceu 62% enquanto a dos homens subiu apenas 39%. O que isso significa? Que cada vez mais, os modelos estão mudando. E isso não diz respeito apenas a quem investe mais dinheiro na vida a dois. A carga horária doméstica também é dividida de maneira diferente – e mais justa – e o estigma do “sensível” versus o “protetor” já é antiquado. “Relacionamento não é departamento de trabalho. A declaração de amor mais sincera e importante que você pode fazer a alguém é ‘eu não preciso de você’. Você poderia ir embora, mas não quer. E isso não é uma ameaça. Essa atitude permite que ele também cresça, pois vai ter uma companheira e não alguém para cuidar. Isso não tem a ver com dinheiro”, diz Lúcia Rosenberg, psicoterapeuta especializada em orientação de casais, de São Paulo. Temos os mesmos papeis na relação – e isso é ótimo.
Parceria imbatível
Até Bruce Wayne e Clark Kent concordariam: seria muito mais fácil combater o crime se tivessem um parceiro nessa luta – e isso significa alguém tão forte quanto, não apenas um “ajudante”. Esse é o modelo que deve ser almejado nos relacionamentos, mas isso não quer dizer que você deve descartar o seu companheiro sempre que ele for mais fraco que você. “Uma boa relação deve incluir duas pessoas maduras, mas, para chegar nisso, é importante ser paciente e flexível em alguns momentos”, orienta Ligia. Prova disso é o relacionamento – e recente noivado – da jornalista Larissa Saram, 30 anos, de São Paulo, que já passou por muitas adaptações ao longo dos oito anos de duração. “No começo do namoro, pensávamos de maneiras muito diferentes, éramos opostos, mas nem por isso desisti dele. Priorizei os valores que mais gostaria de encontrar em um parceiro – e ele as tinha. A partir disso, amadurecemos juntos com muita conversa. O diálogo fez com que ele não só se atualizasse sobre a posição da mulher no mundo atual, mas também descobrisse coisas novas sobre si mesmo, o que fortaleceu nossa relação”, conta.
Mas atenção! Ser paciente não significa que você deve aceitar atitudes que reprimem sua liberdade. É importante ficar atenta e consciente aos pequenos sinais de opressão dentro do relacionamento, passo importante para definir os problemas que podem ou não ser resolvidos. “Eu já sofri muito por aceitar não receber nada em troca em um relacionamento, por me doar mais do que deveria. Precisei reconhecer meu próprio poder para conseguir identificar quais são os comportamentos nocivos na relação”, conta a estudante de história Gisele Tronquini, 28 anos, de São Paulo, que hoje tem uma relação onde não sente que os dois estão em posições diferentes.
Essa nova mulher exige um novo homem e, para isso, é preciso maturidade de ambos para questionar antigas regras. “O importante é que os dois se vejam como iguais e não apenas complementares em níveis de poder diferentes. Essa simetria exige esforço, mas com certeza é o melhor caminho para relações democráticas e verdadeiras”, diz Lígia. Casais em pé de igualdade são mais conectados e isso vai além de só dividir as funções financeiras ou domésticas. Importante mesmo é entender que o fato do seu parceiro cuidar daquela louça do jantar de ontem não é um pequeno ato de heroísmo. Acordar na madrugada para ficar com o bebê também é responsabilidade dele. “Super” mesmo é ser amada e respeitada da forma como você merece.