Será que o treinador deve ditar o seu cardápio?

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Por Gabriel Bentley e Cassie Shortsleeve

Seu personal trainer faz campanha a favor da quinoa como se o alimento estivesse concorrendo à presidência da república, blogueiras fitness invadem a tela do seu celular com dicas de shakes milagrosos e comidinhas low-carb e os instrutores da aula de spinning parecem que ganham comissão dos produtores de suco verde, de tanto que falam bem da bebida. Hoje existem até lojinhas de alimentos dentro de algumas academias, borbulhando lançamentos. E os sites fitness enchem sua timeline de propagandas de suplementos e novas barrinhas de cereais. Sim, a união entre a dieta e os exercícios está mais forte do que nunca. Mas quem será que pode nos dar um real conselho sobre o que vamos colocar no estômago?

Parece mais simples do que é: seu personal trainer vai, em algum momento, discutir a sua alimentação simplesmente porque você o questionará sobre resultados expressivos no corpo e, sem uma dieta saudável, não será fácil alcançar os objetivos. Toda aquela discussão sobre a barriga lisa ser conquistada também na cozinha é verdade e é claro que o treinador que deseja mantê-la motivada vai dar as “dicas de ouro” para o corpo que você deseja.

“Quem está buscando uma reeducação de hábitos acaba também mudando a alimentação. E profissionais da saúde podem ajudar a alcançar metas de maneira mais saudável”, explica Renato Zilli, endocrinologista do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo. Então, se temos esse conselho na palma da mão – ou na visita à academia –, por que não aceitá-lo? O problema está na presunção de que, apenas porque o treinador entende de como deixar seu corpo melhor por meio de exercícios, ele sabe também como fazer isso através da alimentação.

Graus de separação

É verdade que a maioria deles tem um entendimento básico sobre nutrição e como ela afeta seu treino. “Mas é preciso pensar além dos objetivos visíveis”, reforça Renato. E nem sempre um profissional sem qualificação em nutrição vai saber sobre os efeitos mais profundos em cada organismo. “Por mais que seja comum sugerirem cardápio pela proximidade que o exercício possui da alimentação saudável, educadores físicos não têm habilidade nem autonomia para ditar o que se deve ou não comer. Já nutricionistas estudam a ciência da nutrição, calculando micro e macro nutrientes e avaliando a bioquímica de cada um”, explica Edvânia Souza, nutricionista da clínica Estima, em São Paulo. Traduzindo: somente os doutores da comida sabem como aquele alimento pode afetar de modo positivo ou negativo o seu organismo.

Por exemplo, enquanto o leite com achocolatado pode ser um pós-treino bastante indicado para criar músculos em pessoas com taxa de glicose equilibrada, quem é diabética (ou propensa a desenvolver o diabetes) deve encontrar algum substituto. “Além disso, fazer a reposição de nutrientes pós-treino de forma inadequada para seu organismo é um fator que contribui com a atrofia de deglutição, resultando em um trato gastrointestinal preguiçoso, que pode causar uma queda imunológica”, confirma Edvânia. E a sugestão de trocar comidas sólidas no pré e pós-treino por barrinhas e shakes? Segundo a nutricionista, isso pode levar o organismo a um déficit de nutrientes.

Há ainda o risco do treinador aplicar um cardápio em esquema de “copiar e colar”, não atendendo às especificidades nutricionais de cada indivíduo. “Falar, por exemplo, para uma pessoa cortar o carboidrato – prática muito comum em dietas e em blogs que se dizem ‘saudáveis’ – pode causar uma série de problemas graves, como cálculos renais, aumento da taxa de ácido úrico e até mesmo a perda da função renal em casos mais sérios”,  afirma Renato. O clássico ‘funcionou para mim, dará certo pra você também’ pode causar muita dor de cabeça. “Tudo que é feito com base em generalizações pode causar sobrecarga ou falta de nutrientes essenciais”, informa Alan Tiago Scaglione, também nutricionista da clínica Estima.

União feliz

É preciso que os educadores físicos que desejam aconselhar seus clientes sobre alimentação tenham conhecimento acadêmico e técnico sobre como a comida afeta os níveis moleculares das células e como isso, combinado a exercícios personalizados, pode atender às metas pessoais de seus clientes. “Existem hoje especializações para educadores físicos que são focadas em nutrição, mas mesmo esses cursos não oferecem tudo o que é preciso para julgar de forma adequada casos de diferentes indivíduos. Em sua maioria, ensinam sobre a importância e a qualidade nutricional dos alimentos”, contesta Tiago. Ou seja, são como uma introdução aos estudos da nutrição. Ainda assim, muitos cursos como esse citado por Alan sugerem que os treinadores devem encaminhar o cliente para um nutricionista que poderá oferecer um conhecimento técnico bastante superior.

É com o nutricionista que você pode esgotar suas dúvidas sobre o que deve ou não comer, aprender a forma de se alimentar caso esteja se preparando para uma prova que exige muito preparo físico e até mesmo como driblar problemas de saúde crônicos ou não. “Recomendamos uma consultoria em conjunto, procurando ter um time formado pelos profissionais certos para cada área. Assim, não há erros e os objetivos serão alcançados com maior facilidade”, aconselha Miguel Toribio-Mateas, presidente da British Association for Applied Nutrition and Nutricional Therapy, na Inglaterra.